O fantasma de 2005: As revelações de Tinga

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Uma ferida que o tempo não curou

Existem campeonatos que terminam com o apito final, e existem aqueles que assombram. O Brasileirão de 2005 pertence à segunda categoria, um fantasma que ainda ecoa nos corredores do futebol brasileiro quase duas décadas depois. Marcado pelo escândalo da "Máfia do Apito" — um esquema de manipulação de resultados orquestrado pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho, que levou à anulação de 11 partidas —, o torneio se tornou uma ferida aberta. No centro desse furacão estava o volante Tinga, protagonista de um dos lances mais emblemáticos daquela controvérsia. Suas reflexões recentes, no entanto, trazem uma perspectiva inesperada e profundamente humana, revelando um homem que processou a dor de formas surpreendentes e oferece uma visão que vai muito além do pênalti não marcado.

1. O título na justiça? Ele queria mesmo era o "Bichinho" no bolso.

Enquanto o Internacional mobiliza seu departamento jurídico para tentar dividir o título de 2005, a posição de Tinga é de um pragmatismo desconcertante. Embora compreenda a luta institucional, sua perspectiva como atleta era outra, fincada na realidade do campo. Para ele, o valor real estava na glória imediata: a taça erguida no gramado, a celebração com a torcida e, claro, a premiação financeira, o famoso "bichinho", que faria uma diferença tangível na vida dos jogadores. Um título no tribunal, anos depois, não tem o mesmo sabor. Mas o competidor ainda vive nele; Tinga admite que, se o clube vencer a disputa jurídica, ele fará questão de "tirar onda também como tiram comigo".

Eu perdi um bichinho, né? Podia ter mais um terreninho, alguma coisinha com o que ganharíamos. Quem é do esporte quer ganhar no campo. As conquistas que tive vieram com trabalho. Nunca gostei de algo sem entrega.

2. Para Tinga, o pior vilão não foi quem o expulsou.

No panteão de vilões do futebol colorado, o nome de Márcio Rezende de Freitas, o árbitro que não marcou o pênalti e ainda o expulsou, ocupa um lugar de destaque. Contudo, na hierarquia moral do próprio Tinga, o árbitro é rebaixado a uma posição secundária. O ex-jogador estabelece uma distinção filosófica crucial: o erro de Márcio Rezende foi técnico, humano, comparável a um passe errado ou a um gol perdido. A verdadeira falha moral, o pecado capital, veio de Edilson Pereira de Carvalho, o pivô da Máfia do Apito, que vendeu resultados por dinheiro. Essa clareza para discernir intenções revela uma maturidade impressionante, onde a desonestidade deliberada é infinitamente mais grave que um erro de julgamento sob pressão.

Ele (Edilson) errou muito mais que o Márcio. O Márcio errou como eu errei vários passes, gols. O Edilson, não. Errou ao ganhar dinheiro. Não tem como comparar com alguém que está apitando. Foi de caráter.

3. A revolta que virou fantasia de halloween.

Essa mesma clareza para discernir intenções reaparece na forma como ele processou o trauma, não com amargura, mas com uma dose surpreendente de humor. Convidado para uma festa de Halloween, Tinga teve uma ideia genial: vestiu o uniforme completo do Inter de 2005, enquanto sua esposa se fantasiou de árbitro Márcio Rezende de Freitas. A cena, por si só, já era icônica. O desfecho, no entanto, adicionou uma camada de ironia perfeita: eles participaram de um concurso de melhor fantasia e ficaram em segundo lugar. A reação de Tinga? Uma gargalhada e a constatação: "Não é que nos assaltaram de novo!". A anedota revela uma forma rara de resiliência, transformando a dor em uma "resenha" que viralizou e se tornou um símbolo de como o humor pode curar.

4. Surpresa: A perda de 2005 pode não ter sido a pior.

Mas é na comparação entre traumas que a perspectiva de Tinga atinge seu ápice de contraintuitividade, desafiando a memória coletiva da torcida. Quando questionado sobre as dores do futebol, ele aponta para um episódio mais recente e, em sua visão, mais grave: a perda do Brasileirão de 2020. O raciocínio é implacável. Em 2005, o erro partiu de um único árbitro em campo, sujeito à pressão e a uma visão limitada. Em 2020, os erros que custaram o título ao Inter — novamente contra o Corinthians — foram múltiplos e auxiliados por tecnologia. Primeiro, um pênalti claro de mão de Ramiro, marcado em campo e depois anulado pelo VAR. Depois, um gol de Lucas Ribeiro invalidado por uma suposta e controversa falta de Abel Hernández no goleiro. Para Tinga, um erro em 2005 é humano; múltiplos erros com o auxílio de cinco pessoas em uma cabine climatizada são inaceitáveis.

Aceito muito mais o erro do árbitro sozinho do que cinco pessoas no ar-condicionado, que podem olhar lá e cá. Cada um com uma tela de 40 polegadas. Ainda deram uma falta não sei como do Abel Hernández. Não tem como aceitar.

5. Um encontro inusitado e um "Muito Obrigado" ao Carrasco.

Anos depois do fatídico jogo, o destino colocou Tinga e Márcio Rezende de Freitas frente a frente em um aeroporto. O ex-volante decidiu pregar uma peça: caminhou em direção ao árbitro com o semblante fechado, como se fosse cobrar uma dívida antiga. Ao chegar perto, quebrou a tensão com um sorriso, um aperto de mão e um abraço. E então, disse algo que encapsula toda a sua filosofia de vida: agradeceu a Márcio Rezende pelo erro. Aquela injustiça, argumentou Tinga, serviu como combustível, forjando a união e a fúria que levariam o Inter às conquistas épicas da Libertadores e do Mundial de Clubes no ano seguinte. É a demonstração máxima de como ressignificar um evento negativo, transformando um algoz na peça improvável que impulsionou o clube à sua maior glória.

Conclusão: Mais do que um jogo, uma lição.

As reflexões de Tinga oferecem muito mais do que memórias de um campeonato controverso. Elas apresentam uma aula sobre perspectiva, maturidade e resiliência. Sua capacidade de separar o erro da má-fé, de transformar a dor em humor e de enxergar o impulso para a glória no fundo da injustiça revela uma visão complexa e profundamente humana sobre o esporte. A história de 2005, sob seu olhar, deixa de ser apenas sobre ressentimento e se torna uma poderosa lição.

No fim das contas, o que pesa mais na memória de um torcedor: a dor de uma injustiça ou a glória que pode nascer a partir dela?

Fonte GE Inter

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O CONTEÚDO NO TEXTO ACIMA REFLETE O PENSAMENTO DO ESCRITOR E NÃO DO BARCOLORADO!

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